quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Chove na cidade é aprovado pelo PNLD 2020

Relatório de aprovação pelo FNDE
Os efeitos da forte chuva na cidade grande, ao longo de um dia, é o tema da obra Chove na Cidade, de Fernando Pires. Composta por diversos poemas narrativos, a obra apresenta cenas recolhidas por uma ave que narra o que avista dos céus: as pessoas a circular na cidade, fugindo da chuva, como os transeuntes que se abrigam nas marquises; outras, indiferentes a ela, dentro dos automóveis; as crianças que se divertem; o homem da carroça que toma banho; o avô que sente prazer com as gotas frias do pingadouro do telhado; a moça a recolher as flores caídas nas ruas, alegres por desfrutar da chuva; e ainda os que sofrem suas consequências, como as famílias que vivem nas ruas, entre outros personagens flagrados em seu cotidiano. Os poemas narram os acontecimentos e registram os sentimentos diversos produzidos pela ocorrência da chuva, não apenas dos personagens como também o da ave, dos gatos, do rio, em um processo anímico. Há poemas que destacam os efeitos físicos da chuva na cidade grande, como a enchente e ainda há os que apontam para as diferenças socioeconômicas, ao confrontar, por exemplo, a mulher descalça com um nenê nos braços a pedir esmolas na rua a um homem bem agasalhado. Ao final do dia, dois poemas retratam o pássaro a se recolher, em uma mensagem de otimismo diante da vida. Por fim, observa-se que, nos quadros captados e descritos pelo olhar de uma ave, pode-se compreender a diversidade de identidades, de comportamentos, de situações presentes no dia a dia da cidade grande, em um dia de chuva.
O texto verbal enfatiza a função poética. Há o uso de figuras de linguagem, como comparação em "Ainda está escuro como a noite" (p. 4); metonímia em "O homem da carroça puxa sua vida nas costas" (p. 14); metáfora em "A cidade é a casa" e "A rua é o chuveiro" (p. 14); personificação em: "A chuva lava o olho/Enquanto lá fora/Uma lágrima lava o dia" (p. 25) e "Ele [o rio encanado] está triste porque não consegue mais ver o céu" (p. 37). Há ainda uso de recursos poéticos como anáfora em "A criança que chora, chora/Ela não sente dor/Ela não tem fome/Ela sente falta de algo" (p. 15). Destaca-se a simplicidade das figuras elaboradas na composição poética como um todo que deixa parecer ser, a priori, intencional.
O texto é bastante polissêmico, possibilitando diversas leituras e debates entre alunos sobre seus pontos de vista. Por exemplo, a partir dos versos "Pessoa no carro de vidro negro/Não sente o vento/Não sente a chuva/Sua temperatura condicionada em 19ºC/Gelou seu coração?" (p. 41), os alunos podem discutir as razões para uma pessoa utilizar vidros escuros em seus carros, a sensação de segurança, a temperatura artificial do interior do carro que representa a frieza ou perda de sensibilidade com as pessoas do lado de fora.
A obra está isenta de apologia a ideias preconceituosas e a comportamentos excludentes. O texto também questiona o comportamento humano, muitas vezes indiferente diante de situações de injustiça ou desigualdade, como em: "Os melhores brinquedos da loja estão dentro do carro/E já passaram pelas mãos/Da criança que chora/E a criança ainda chora" (p. 15).
O texto não apresenta a exploração da violência ou da morte. As cenas cotidianas são retratadas de forma crítica, remetendo ao leitor reflexões e conclusões, como em "O homem da carroça para um momento para descansar/E se lava com a água que cai do céu.../Canta alto para todo o mundo ouvir"
(p. 14).
O texto verbal é um poema e utiliza recursos da linguagem poética e estrutura em versos livres. O vocabulário é compreensível à categoria a que se destina.
O texto visual, em sua interação com o texto verbal, contribui para a experiência estética do aluno, trazendo cenas que representam as ações do texto verbal. Há tons de cinza predominantes e cores diferentes para destacar alguns elementos de cada cenário, como o pássaro laranja (p. 4-5), os limões verdes (p. 6-7), um gato laranja e outro azul (p. 10 e 11) ou o limpador de vidros laranja (p. 50 e 51). Há versos dentro dos fios de água da chuva que ora aparecem em posição vertical ora na horizontal.
Desse modo, as imagens sugerem múltiplos sentidos, com os objetos com cores destacadas que ampliam as possibilidades interpretativas descritas pelo texto verbal. Por exemplo, o "homem no arranha-céu" trabalha tão concentrado que mal percebe o que se passa a sua volta, mas a vista de cima "na perspectiva do pássaro" causa no leitor um desconforto, uma sensação de vertigem, expressadas nos versos "Os vidros/Refletem/O seu rosto/E o seu medo/Continua a limpar" (p. 50 a 52).
As imagens revelam aspectos do cotidiano de uma cidade grande: menino malabarista no semáforo (p. 6-7), catadores de papelão e suas carroças (p.12-13), uma mãe da classe alta que superprotege o filho (p. 16-17), mulher com filho no colo pedindo esmolas na calçada (p. 22-23), amigos bebendo em um bar (p. 46-47), uma atriz frustrada que chora na cobertura do prédio (p. 54-55), entre outros. A obra, nesse sentido, aborda comportamentos individuais que retratam vidas isoladas, desligadas daquilo que está logo ao lado. Não há julgamentos, apenas constatações em que as imagens complementam, reforçam e ampliam os sentidos do poema.
O tema "Desigualdades urbanas" é tratado de forma adequada à categoria a que se destina. O poema possui como eu lírico a própria chuva que usa a perspectiva de um pássaro para narrar e descrever as cenas cotidianas do meio urbano. Assim, as cenas são apresentadas sempre do alto, como se o leitor
também flutuasse sobre a cidade. Nesse sentido, a abordagem do tema não é simplificadora ou homogeneizante, pois há a possibilidade de confrontar diferentes pontos de vista. A vida em uma grande metrópole como São Paulo, o combate à criminalidade, o respeito aos cidadãos desassistidos e pobres, o trabalho como reconhecimento social, o planejamento de vida, a relação com os pais e amigos são algumas das perspectivas que se abrem para o debate entre os alunos.
A obra está isenta de uma abordagem que acentua a submissão do leitor, pois as desigualdades existentes na metrópole são apresentadas de forma explícita e contundente. Pessoas de todas as classes sociais são observadas pelo pássaro e reagem à chuva de acordo com seus valores, costumes e
necessidades. O catador de papelão usa a rua como casa e a se lava com a água da chuva (p. 12 a 14). O menino rico sai do carro de luxo e dos braços da mãe (desesperada, mas que não larga o celular) para sentir a água no chão da calçada (p. 15 a 17). O guarda-chuva "destroçado" no chão após a discussão e rompimento do casal, cada qual seguindo sua verdade e com o coração "apertado" (p. 42 a 44).
A linguagem do poema é adequada para a abordagem do tema e esse repertório pode ser bastante ampliado pelas diferentes situações apresentadas na obra. As enchentes, de forma poética, representam a felicidade do rio encanado, ou seja, escondido, banido pelo homem, querendo ver de novo o céu, seu "companheiro por milhares de anos" e que, para "os homens da ciência" trata-se de uma simples "enchente" (p. 37 a 39). Aqui se abre uma interessante discussão sobre o preço a se pagar pela intervenção do homem ao canalizar os rios e impermeabilizar o solo dos grandes centros urbanos.
No final do livro, há um breve texto escrito em primeira pessoa apresentando aspectos do autor e da obra. Há ainda uma imagem do autor posterizada em preto e laranja. A diagramação favorece a leitura: as ilustrações são seguidas de páginas na cor preta; os títulos dos capítulos estão na cor branca com letras em caixa alta (maiúsculas) no estilo das HQ de super-heróis; as páginas contendo o texto verbal estão em quadros com um desenho de fundo "a vista aérea noturna de São Paulo " ao longo de todo o livro. A capa desperta a curiosidade do leitor a partir de pistas como os fios de água da chuva que repetem o título do livro "Chove na cidade". Há uma poça de água com pegadas de ave no sentido direito da capa. Tudo indica que essa ave fará, de alguma forma, parte do conteúdo do livro, além da chuva, é claro.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Chove na Cidade
Editora Folia de Letras
Capa


Chove na Cidade conta a história de um pássaro, voando sobre uma cidade grande, em dia de chuva. As imagens são o que o pássaro vê. O texto, o que ele talvez esteja pensando.








Chove na Cidade.
O sol acabou de nascer,
Mas ninguém percebe,
Ainda está escuro como a noite
Porque chove na cidade.
Todos já estão acordados,
Alguns andam, atravessando a cidade
Com suas capas e guarda-chuvas.
Alguns dirigem indiferentes os seus automóveis,
Outros entram apressados nos ônibus e metrôs,
Outros esperam embaixo de telheiros e marquises.
Todos, cada um a seu modo, buscam algo.
E olham para o seu dia que ainda não aconteceu.






As crianças em festa
Equilibram seus limões.
Sapateiam seus pés descalços nas poças.
A faixa de pedestre é seu jogo de amarelinha.
As crianças em festa sorriem e gritam de alegria,
Despreocupadas, não pensam em mais nada que se divertir.
Afinal, como poderia ser diferente?
São apenas crianças aproveitando a melhor época da vida,
Equilibrando seus limões.